Eu e ele, quase sozinhos num bar. Garrafas de vinho em nossa frente, copos afastados e dispensados, uma música calma e melódica tocando ao fundo. Um clima intenso, dois corpos quentes, risos altos. Estranha a forma como ele me faz bem com um singelo olhar ou um simples sorriso de canto. Como o vinho age de uma forma estranha no meu corpo quando ele está perto, fazendo-me querer estar com o meu corpo mais próximo possível ao dele.
Eu não o conhecia há tanto tempo. Lembro-me de ter encontrado esse rapaz moreno e com os cabelos negros, olhos castanhos e provocantes, boca volumosa e bem desenhada, traços do rosto fortes e com uma altura invejável de qualquer rapaz, por aqui, no bar. Nunca tive uma vida saudável, sempre preferi viver no meu limite e provar para mim mesma de que amor é só uma desculpa das pessoas para se auto-satisfazerem com a companhia de outra. Eu pensei que estava certa até conhecê-lo.
Saímos algumas vezes, conversamos bastante, nos divertimos muito, mas nada além de amizade. Algo que me intrigava, até porque para mim é muito raro encontrar um homem que seja tão atencioso com você e não esteja afim de favores sexuais. Ele é bem arranjado, tem um emprego razoável, mora em uma casa que dá pro gasto e sobrevive de miojo e omelete. Estávamos sentados um de frente pro outro, num desses bancos de um bar qualquer que me fazem ficar com medo de cair, ainda mais com o efeito do álcool no meu sangue.
— Tô afim de te dizer uma coisa há muito tempo, Julie. – ele me olhou, meu coração bateu mais rápido, minhas pernas bambearam e – não sei se ele notou – me segurei na bancada para não cair dali. O encarei. Seus olhos estavam meio caídos, meio com sono, sua face era de alguém não muito interessado no horário ou no quanto ambos já beberam.
— Diz aí, poxa, vai ficar enrolando? – tentei não mostrar fraqueza e dei um leve tapa em seu braço, podendo perceber que sim, ele tinha músculos. Sorri, coloquei a mecha de cabelo atrás da orelha.
— Não é lá algo fácil de se dizer, mas espero que não me interprete mal. – ele abaixou a cabeça, sorriu e voltou a me olhar. Com um olhar mais intenso e gritante agora, pedindo por algo que eu não estava disposta a dar. Senti medo. — Bom, Julie, já tem um tempo que nós estamos saindo e eu quero te dizer que... – ele parou. Pegou na barra do meu banco, me puxou para mais perto e deixou seu rosto a centímetros do meu. Encarou-me. Eu podia sentir seu hálito de vinho misturado com menta e cigarro. Segurei-me novamente, mas dessa vez para não beijá-lo. — Julie, você já se apaixonou, certo? Já sentiu alguma vez suas pernas tremendo, sua barriga com um frio esquisito, seus olhos com um brilho intenso, seus risos mais e mais altos provocados por essa pessoa, sim? Eu acho que é isso o que acontece nesse exato momento. Não sei se é o vinho ou se é algum tipo de sensibilidade me afetando, mas eu tenho para mim que estou te amando da forma mais verdadeira possível.
Gelei. Se encostassem uma panela quente em mim naquela hora, provavelmente ela ficaria mais fria. Senti um pingo de suor percorrer a minha testa enquanto eu encarava o chão pensando em algo sensato para dizer. Eu tenho medo. Ele me faz tão bem e ainda diz isso? Talvez eu esteja no mesmo barco com ele. Mas e o receio de me entregar? De descobrir que na verdade nós não iríamos dar certo? Tomei coragem. Engoli seco. O encarei com os olhos arregalados.
— Na verdade eu nunca senti. Nunca. Mas talvez...
— Shhh. – ele levou seu dedo indicador em minha boca e interrompeu a minha fala. Apenas se levantou, estendeu a mão e me ofereceu uma dança.
Levei minha mão tremula até a dele, me deixei ser guiada pelos meus instintos e comecei a dançar Bee Gees, How Deep Is Your Love de uma forma que nem eu sabia que dançava. Talvez era ele me induzindo, nessa mania de ter uma perfeição inexplicável que ele tem. Talvez seja o efeito do vinho sobre os nossos corpos. Talvez seja a minha total entrega nem que seja apenas nesses eternos minutos em seus braços, sem medo de me machucar ou de ter a minha confiança ou ego feridos. Talvez, talvezes. A minha única certeza, nesse momento, é que eu não queria que nada disso terminasse. Que ele me tomasse sempre em seus braços e mostrasse para mim que a única coisa que eu tenho que ter medo é de dirigirmos bêbados ou de perdermos as nossas memórias pela quantidade de álcool que tomamos.
Mas nada, nada disso importa mais. Não se nós estivermos um com o outro.