domingo, 27 de março de 2011

Des(abafo).


Olha só
Que cara estranho que chegou
Parece não achar lugar
No corpo em que Deus lhe encarnou

Essa despersonalização que me foi encarregada tem me saturado. Sensação de que não pertenço a esse corpo, à essa gente, à essa mente. A esse mundo. Nada se encaixa, nada se adapta, eu grito socorro e entendem o contrário. Tento falar a minha língua, mas me obrigam a colocar a máscara da sociabilidade novamente. Não nasci para esse povo, talvez eu não tenha nascido para ser eu mesma. Eu estou me perdendo demais imaginando que todos se escondem atrás de facetas inibindo o medo e o sofrer que lhe afligem internamente ou isso só acontece comigo?

Tropeça a cada quarteirão
Não mede a força que já tem
Exibe à frente o coração
Que não divide com ninguém

Acho que já vem de mim essa mania de controlar os passos, as palavras, as pessoas, os pensamentos. Pensamentos esses que voam livremente e me causam dores de cabeça por não conseguir deixá-los em seus devidos lugares, quietos.

Turbilhão de idéias, dificuldade em me expressar. Menosprezo-me e insisto em não acreditar quando dizem que eu estou errada. Já parei de expor os meus defeitos para não me considerarem a coitadinha – coisa que eu também acho patética -, mas eu só preciso de alguém que me aflore o lado bom e esfregue na minha cara que eu não estou me tornando o que eu não quero ser. Mas talvez eu esteja E eu não quero precisar de alguém. Desinteresse.

Tem tudo sempre às suas mãos
Mas leva a cruz um pouco além
Talhando feito um artesão
A imagem de um rapaz de bem

E olha que eu ainda insisto em melhorar. Não para mim, para eles. Digo que já não sou mais a mesma, que já fui melhor. Que viver na espontaneidade e ignorância de ontem era melhor do que estar nesse patético e repetitivo clichê de hoje. E nessa minha paranóia eu gosto de estar com a razão. Razão nos leva ao lado racional, que vai de embate com o lado emocional. E eu fico nesses conflitos internos de “será que eu vou ser mais uma velha-gorda-sozinha com sete gatos lendo na cadeira de balanço?”. Bullshit. Eu não me deixo levar por nada, não me deixo levar por ninguém. Faço por merecer essa solidão. Descaso.

Olha ali
Quem tá pedindo aprovação
Não sabe nem para onde ir
Se alguém não aponta a direção

Criaram-me para ser uma dependente e hoje querem que eu aja como adulta. Não. Eu ainda preciso de instruções. Essa capa fria e autossuficiente que você está vendo? Se desfalece e se remonta a cada dia que passa, mas os outros estão cegos demais... digo, ocupados demais para notarem algo além da sua própria sombra e achá-la perfeita o suficiente para julgar a alheia. E olha que eu ainda tento ver a diversão que me prometeram tanto nessa tal fase da vida. Desprezo. Se na próxima piora, desejo não viver até lá.

Periga nunca se encontrar
Será que ele vai perceber?
Que foge sempre do lugar
Deixando o ódio se esconder

Onde estão meus sonhos? Meus objetivos? Minhas determinações, meus desejos? Ou eu nunca tive nada disso? Ou o pessimismo sempre reinou dizendo que qualquer tentativa iria ser falha? Que qualquer próximo passo me levaria ao anterior? Quem foi que colocou isso de imaginar sempre o pior das situações e das pessoas em mim? Será que isso é um mal que piora tudo e que viver na hipocrisia que é o otimismo nos leva à felicidade? E essa tal de felicidade, existe? Será que nós já não estamos todos predestinados a viver na tristeza e a felicidade, sim, é que aparece raramente para nos visitar? Eu sou uma acomodada. Despreparada. E não me envergonho disso, no final.

Talvez se nunca mais tentar
Viver o cara de tevê
Que vence a briga sem suar
E ganha aplausos sem querer

Na escola te forçam a engolir matérias. Dentro de casa, obrigações. No ciclo de amigos, regras e modismos. Família é um termo ainda usado, mas não passa de um termo. Individualismo e egoísmo – os males do século. E a maioria é um produto da industrialização, uma massa facilmente destinada a fazer o que eles querem.

Eles? Quem são eles? Eu já não sei mais o que eu falo e já perdi a razão há um bom tempo. Razão, razão...

Faz parte desse jogo
Dizer ao mundo todo
Que só conhece o seu quinhão ruim

É simples desse jeito
Quando se encolhe o peito
E finge não haver competição

É a solução de quem não quer
Perder aquilo que já tem
E fecha a mão pro que há de vir

E eu tenho duas alternativas: ou eu sou uma pessoa com o instinto de afastar as outras pessoas ou eu simplesmente não consigo me expressar e mostrar que o que eu quero de fato é me aproximar. Mas as pessoas não melhoram e insistem em parar no ponto em que acharam confortável. O mundo evoluiu e eles ficaram para trás. Talvez eles sejam bem mais felizes assim e essa mente já cansada por ter avançado tão rapidamente vários anos devesse parar de reclamar. Reclamar, reclamar. Acomodação e procrastinação me fizeram isso aqui, que reclama, mas não tem disposição, interesse, coragem e muito menos paciência para correr atrás do que quer. Covardia. Será que eu nasci para ser eu mesma? Olha só que cara estranho que chegou...

18 comentários:

  1. Dá pra notar a qualidade do texto só pelo título que, aliás, eu achei genial.
    A reflexão que você apresenta no texto faz com que quem leia olhe para dentro de si mesmo e, automaticamente, se ponha no lugar do eu-lírico.
    Parabéns Bre, outro texto incrível para a coleção que você mantém aqui no Cinismo e Utopia.

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  2. Eu não deixei você falar de mim, Brenda.

    Brincadeira. O que eu quis dizer com isso, é que você parece ler a alma das pessoas e consegue traduzí-las com as suas palavras. Perfeito, sem mais.

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  3. Que texto perfeito, me encontrei nele e mais uma vez parabéns, você tem muito talento.

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  4. Você insiste em não me desapontar Brenda! Gosto disso. Tua sensibilidade e a capacidade de exterioriza-la são gritantes.

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  5. Mais uma vez foi um prazer enorme estar aqui.

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  6. Brenda como sempre enbanjando capacidade para escrever.

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  7. "I mean, I have the feeling that something in my mind is poisoning everything else." Lolita.

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  8. Muito legal a forma de intercalar seu texto e a música de Los Hermanos. E cada parte do texto corresponde, ficou bem bacana!

    Você costuma ler livros brasileiros?

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  9. Nossa, que texto impecável!
    gostei muito,
    desfragmentou e dissecou a música dos hermanos tão bem que pouco o fariam!
    Parabens!
    Seguindo você ja!

    http://tentandodescobriroporqudascoisas.blogspot.com

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  10. Adorei o texto e o blog! Parabéns!

    www.atestadodoobvio.blogspot.com

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Essa sua filosofia moderna está cada dia mais humanizada comigo. Mas não se esqueça... "que a estrada vai além do que se vê".

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  13. Que texto absurdamente encantador! Você encaixou as palavras certas no lugar certo.
    Parabéns, admiro-a.

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  14. Seu talento com palavras chega a ser assustador.
    Todos seus textos são tão impactantes,tão perturbadores e ao mesmo tempo tão encantadores.
    ook,você acaba se virar minha heroína.

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  15. "Cara estranho". Essa música marcou quase toda a trajetória da minha vida, e acrescentada a esse texto, os dois ficaram extremamente encantadores. Parabéns, Brenda.

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  16. Que texto perfeito, me encontrei nele e mais uma vez parabéns, você tem muito talento.+1

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