domingo, 6 de fevereiro de 2011

O temido som uníssono da morte.


Eu estava perdendo-a e não apenas fisicamente. De um modo mais profundo, do modo mais doloroso que uma pessoa pode perder alguém.

Deitado no sofá-cama, tento dormir ao menos um pouco e não consigo. Ouço alguns gemidos vindos do corredor de outros pacientes e tento me concentrar no dia de amanhã, o tão esperado dia em que minha amada irá fazer a preciosa cirurgia. É angustiante saber que a vida de uma pessoa está em risco e que você não pode fazer nada a respeito. Que você não pode afirmar a certeza de uma nova vida, que você não pode nem sequer dizer “vai ficar tudo bem”. Era o que eu costumava dizer a ela em momentos difíceis.

Sempre fomos o escape um do outro, “a tábua de salvação, o parapeito que evitava o abismo”. Nunca fui um cara otimista e dessa vez, mesmo sabendo que ela não terá muitas forças para sobreviver, ainda tenho a esperança de que ela possa continuar viva e continuar sendo a minha razão para continuar nesse mundo.

Cinco e quarenta e sete, ouço a respiração dela aumentar e me levanto de prontidão. Posso ver um certo clarão no céu, o vento gélido entra pela janela e me arrepia por inteiro. A minha imensa preocupação e os pensamentos perturbadores de como irei viver sem essa mulher não me deixam dormir. Ela abre lentamente os olhos, olha para os dois lados e eu me aproximo dela, pegando em sua mão frágil e pequena. Sempre tão vulnerável, singela.

— Eu preciso te pedir uma coisa. – finalmente ela disse. Sua voz saiu rouca, como um sussurro, algo praguejado sem qualquer preocupação. Ela parecia conformada.
— Diga, meu amor. – respirei fundo e tentei com todas as minhas forças que adquiri junto a ela com o tempo não chorar. Eu não permitia esse tipo de coisa. Não na frente dela.
— Promete que vai ficar bem? Que irá se cuidar caso eu não esteja aqui? – despejou as palavras que eu temia. Eu tentava adaptar esse sentimento de conformismo no meu coração, mas eu não podia. Algo em mim queria, implorava para que ela ficasse aqui comigo, para poder montar a família que ela sempre queria, para eu poder chegar do trabalho cansado e abraça-la com ternura, sussurrando em seu ouvido que a amo.
— Prometo, meu amor. Eu prometo sim. – eu disse, com certa hesitação. Mas no fundo eu estava ciente de que não podia. Por mais que minha mente dissesse que ainda havia esperanças, meu coração sussurrava numa voz atormentadora que eu não conseguiria suportar sua ausência.
— Eu te amo. – soltou esses três suspiros no ar. Respirou fundo. Uma lágrima caiu do seu rosto. Abaixei-me lentamente e dei um beijo em sua bochecha fria, pálida e sem vida.
— Eu te amo também. Muito. – soltei, agora sem pensar. Ela já estava em completa ciência disso, mas eu nunca me cansei de repetir. Nunca me cansei de ver o sorriso estampado em seu rosto ou seus braços abertos esperando um abraço meu logo após a minha frase.

Dói-me vê-la assim, e tentar sobreviver sem seu apoio seria me superestimar demais. Eu me acostumei, me acomodei e me tornei um eterno dependente dela. Ela se tornou uma parte de mim. Até que ela abriu sua boca para respirar. Eu notei que algo estava errado e fui direto à porta, apertando o botão onde chama-se os enfermeiros e médicos. Pressionei-o desesperadamente, virei meu rosto a ela e meu coração, por míseros segundos, parou. Seus olhos reviraram, sua boa continuou aberta e suas mãos, que pareciam estarem apertadas contra elas mesmas, agora relaxavam. Os médicos me empurraram e entraram abruptamente no quarto...

Ouvi o temido barulho uníssono da morte.

13 comentários:

  1. Você me surpreende cada dia mais. Belíssimo texto, sua linda! Forte, e intenso. Gosto disso. Sou fã daqui s2

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  2. Gente, a cada dia que passa fico mais impressionada e admirada com seu talento pra escrever!

    <3

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  3. Acabo de conhecer seu blog e fiquei surpreso. =)

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  4. Só posso lhe falar que fiquei sem palavras...Parabéns Brenda, intenso e tocante. Perfeito

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  5. Fico feliz em saber que não se escrevem mais apenas amores adolescentes. Bastante intenso, parabéns, meu bem :)

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  6. Brenda tuas facetas emocionais são impressionantes! Você transpira emoções nos teus posts. De onde vem tanta sensibilidade? Quisera poder me abrir como você o faz. Apenas continue escrevendo...

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  7. Juro que fiquei sem fôlego enquanto lia. Não consigo imaginar isso acontecendo com alguém próximo de mim, é muito doloroso.
    Você escreve muito bem, amei.

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  8. Acho que sou a única que entende um "pedido" no meio dos textos.

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  9. Como escreve bem você.
    Ficou lindo, como um capitulo de um livro.
    Você tem tudo para ser uma escritora, parabéns.
    Mais amor, por favor.
    beeijos.

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  10. Nunca comentei no seu blog, mas leio sempre. E posso dizer com certeza que esse é um de seus melhores textos. Mostra toda uma dor que geralmente você não transpõe e não há como ler ele e não se emocionar, não vivenciar a história.
    Eu amo o modo com que você lida com as palavras.

    @cronofobia

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  11. Você escreve de um jeito tão sensível e tão chocante, soa de um jeito tão verdadeiro. Eu te admiro muito. Realmente você escreve muito bem.

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  12. Magnífico seu texto, seu blog e a maneira de escrever. Te achei por acaso no twitter e vim aqui bisbilhotar. Não me arrependi. Muito pelo contrário.
    Ganhou um leitor assíduo.

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