segunda-feira, 16 de maio de 2011

Eu estarei por perto.


“Minha querida Anne,

Provavelmente você estará lendo essa carta tarde demais, com as letras borradas pela umidade e com o atraso imenso do carteiro sem paciência para entregar-lhe minhas palavras.

Venho através dessa carta pedir-te desculpas. Pedir-te desculpas por não ter sido um bom marido, um bom pai, um bom irmão, um bom filho, um bom amigo, um bom companheiro, um bom amor. Falhei com você inúmeras vezes, confesso até mesmo que fui bastante grosso em algumas delas. Permita-me dizer que não foi a minha intenção, a não ser nos momentos de imenso carinho e paz que tivemos juntos. Pedir-te desculpas por não te ter feito a mulher mais feliz, apesar de garantir com absoluta certeza de que eu fui o homem mais completo desse mundo.

Oh, Anne, minha querida Anne. Você é de uma singularidade imensa, possui um tom rude e delicado atemporal que sempre me deixou fascinado. Seus grandes olhos me chamavam como duas jabuticabas brilhantes à luz da lua pedindo para serem beijadas. Os teus lábios tão rosados, às vezes vermelhos, carnudos, mordidos por teus dentes tão brancos que sempre me atraíam como se possuíssem certo tipo de magnetismo. O teu corpo fielmente modelado ao teu vestido, coberto por essa carne branca de cheiro único que me chamava tão ardentemente quanto um fogo queima uma pequena folha de papel.

Enquanto eu estou aqui, Anne, relembro todos os dias em minha mente os momentos que tivemos. As vezes em que nos sentamos na varanda e observamos a lua se movimentar, as vezes em que sentimos o sol escaldante cobrir nossa pele com sua formosura, formosura essa que eu não gostava tanto, mas suportava apenas pelo fato de te ver banhada por aquele brilho dourado tão intenso. As vezes em que você se punha a tocar teu violão enquanto eu dedilhava meus dedos pelo piano, dedos esses que contornavam lentamente a tua pele totalmente arrepiada pelo meu toque, toque esse que eu caprichava tanto que nem uma flor ao desabrochar aparentaria tanta delicadeza. As vezes em que nós brincávamos de sussurrar coisinhas um no ouvido do outro, enquanto, no frio, nossos corpos se aqueciam e os batimentos do teu coração se tornava os batimentos do meu.

Memórias essas que passam com tamanha perfeição em minha imaginação que são como sonhos: quando “acordo”, caio em mim que nem ao menos dormi. Memórias que eu guardo em um lugar escondido, só nosso, onde ali se faz presente cada detalhe possível que consegui memorizar. Memórias, minhas únicas companheiras nesses dias de tamanho sofrimento. Não posso afirmar-lhe que caso eu voltasse no tempo faria tudo diferente. Creio que lá, no passado, não teria noção da imensa importância que você tinha e tem pra mim até hoje, e por conseqüência faria tudo do mesmo modo outra vez.

Quero oferecer-lhe meu pedido de perdão que mesmo enviado por uma carta é de tamanha sinceridade que eu não poderia descrever aqui, pois palavras são insuficientes. Perdão por não ter me despedido de você da forma como deveria, se é que existe alguma forma pré-determinada para fins. Perdão por ter te trocado pela minha pátria, aquela que você sempre julgou mal, mas sempre a confiou o seu marido para ilimitadas batalhas.

Perdão por não poder voltar pra casa. E, principalmente, perdão por deixar essa carta tão incompleta. Eu poderia passar horas, dias e meses escrevendo pra você, mas, minha querida Anne, sinto que hei de partir. Não partir para longe, mas partir para outro plano. Um plano que eu espero que seja tão confortável quanto era deitar com você na relva e sentir o cheiro agradável do teu cabelo.

Eu não poderia deixar o meu último resquício sem dizer que eu amo você. Com todas as minhas forças, que agora já são poucas. Amo tanto você que além de vir me desculpar, venho lhe agradecer por ter dito “sim” quando o padre perguntou se você gostaria de passar o resto da sua vida ao lado desse barbudo e magrelo homem que tinha dever com seu país.

Bem, infelizmente eu não cumpri o papel de viver ao teu lado o resto da sua vida. Mas saiba que toda a minha vida só valeu cada minuto à pena por tua causa, minha Anne.”